segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Católicos podem ser de "direita"?



Olavo (liberal-conservador) e Constantino (radical-liberal): duas figuras que exprimem a síntese que forma a nova direita brasileira. 






O Brasil vive, hodiernamente, o impacto de uma onda direitista de tom liberal-conservador: por um lado há quem defenda liberdades em termos econômicos (liberais), por outro há quem postule costumes tradicionais (conservadores); é verdade que as duas facções da nova direita se dividem em assuntos relevantes, o que mostra uma certa distinção entre conservadores e liberais; todavia é comum, sobretudo entre conservadores, a crença de que é possível aliar costumes tradicionais em termos de moral com liberdades econômicas (liberdade de empreendimento, menor intervenção do estado na atividade produtiva, comercial, bancária, etc). Do lado liberal há o repúdio a costumes tradicionais. Se os conservadores admitem as liberdades liberais na economia, os liberais não reconhecem a importância dos costumes na moral. Isso demonstra que o tom ideológico mais significativo da cosmovisão da neo-direita brasileira é a ideologia liberal: conservadores não conseguem fazer penetrar seu discurso pró-costumes entre os liberais mas são abertos ao discurso pró-liberdades dos liberais, de modo que podemos dizer, com certa segurança, que se algum dia essa nova onda vier a assumir o poder no Brasil a balança vai pender para o lado liberal; a facção conservadora ficará a reboque do mesmo. 

Assim é preciso que católicos minimante conscientes de sua fé - que deve orientar, inclusive, suas opções políticas - pensem sobre a compatibilidade dela com a onda neodireitista; afinal é possível ser católico e endossar posições comuns na direita tupiniquim? Vejamos alguns postulados dela para entender se há ou não compatibilidade entre a mesma e a doutrina da fé:

1- O Estado não deve interferir na livre associação entre os indivíduos de modo que o livre-associativismo deve ser um princípio no qual se funde a sociedade (tese liberal) 

Falso. A Igreja entende a liberdade como um dom moral: livre é o homem que age conforme a lei moral; quem se deixa levar pelas paixões é escravo. O livre-associativismo parte da premissa que o Estado não deve exercer uma vigilância moral sobre as associações. No máximo ele só poderia proibir associações se elas ameaçassem a liberdade alheia. Numa concepção católica cabe ao estado zelar pela lei moral sob a guia da Igreja devendo, portanto, proibir associações que se afastem da lei eterna. 

2- Os costumes e as convenções devem ser seguidas e respeitadas (tese conservadora)

Falso. A Igreja diferencia os costumes segundo a régua da lei eterna. Nem todo o costume é bom, mesmo os imemoriais. Um costume imemorial pode ser uma herança do pecado.  O homem está em estado de queda: nem todos os costumes herdados são expressão da verdade eterna. O cristianismo, nos seus primórdios, desafiou o costume estabelecido. Preconizava a igualdade dos homens perante Deus contra costumes escravistas que viam o escravidão como condição natural.  Um adágio conservador comum é que é preferível um diabo conhecido que outro desconhecido, para justificar a preservação de maus costumes herdados, mas que deram certo, contra inovações imprudentes que poderiam se mostrar piores que os costumes anteriores. Ora, isto é falacioso. Os reis católicos do medievo, para combater costumes pagãos arraigados, não mediram esforços para punir tais práticas com penas e multas. Danças pagãs, festividades sacrílegas, poligamia, bigamia, foram combatidas com base na lei cristã que trazia a novidade da vida em Cristo. Partindo da falsa premissa conservadora a medida mais prudente dos reis católicos teria sido permitir a continuidade destas convenções pagãs para evitar desarranjos que pudessem causar males maiores que aqueles que procuravam combater. No entanto a aplicação de leis novas e mais sábias é necessária para mudar costumes maus e pervertidos pois a sociedade não é mero arranjo político mas algo ordenado a auxiliar na salvação eterna do homem. 

3- Há direitos para os quais o principal reconhecimento público é a antiguidade – incluindo, quase sempre, direitos de propriedade (tese conservadora)

Falso. Nem sempre o que é antigo é mais sábio ou justo. A Igreja mudou a sociedade antiga, substituindo várias prescrições do mundo clássico. Muitos "direitos" de propriedade, reconhecidos pela lei positiva, são fruto direito de rapina, egoísmo, roubo e guerra injusta. Todo direito, inclusive os de propriedade, deve estar fundado na lei moral  para ser legítimo. Caso não esteja, a autoridade pública tem o direito de reformar o uso da propriedade a fim de que ela atenda melhor ao bem comum. O direito a propriedade não é absoluto. 

4- Propriedade e liberdade devem ser a base da ordem social (tese liberal)

Falso. Propriedade e liberdade devem ser reguladas e ajustadas segundo a lei eterna. Quanto mais desregulação em matéria de propriedade - logo, mais liberdade de acumular sem freios legais ou morais - mais chance de que haja concentração de riqueza e menor liberdade para quem tem pouca riqueza, trazendo, inclusive, o risco de conflitos sociais vários. Ademais, o fim a que se ordena a sociedade não deve ser meramente temporal: propriedade e liberdade são valores importantes, porém inferiores ao bem sumo que é Deus. A base da ordem social deve ser o fim último. O Estado e a sociedade devem estar ordenados a Deus. A liberdade e a propriedade, portanto, devem ser moderadas e estabelecidas como meios que sirvam para ordenar os homens a este fim último. 

5- O indivíduo é soberano (tese liberal)

Falso. A Igreja não fala em termos de indivíduo - uma abstração liberal - mas de pessoa - noção recheada de sentido moral. O indivíduo é o sujeito livre presente nas teses contratuais de Hobbes e Locke. Livre de qualquer autoridade e que entra na vida social por vontade própria a fim de atingir fins imanentes e egoístas: vida, liberdade e propriedade. A concepção católica é outra: não existiu um "estado natural" onde o sujeito era um indivíduo livre, desligado de qualquer autoridade. Desde o Éden o homem está vinculado a autoridade de Deus e de sua lei. As autoridades civis existem para assegurar que os maus sejam punidos e os bons recompensados. A pessoa é um ser moral ordenado a Deus que é seu bem supremo. O indivíduo não é a fonte da lei, nem mesmo os acordos livres entre eles podem ser a fonte última da lei. A vontade individual pode se afastar ou se aproximar da lei eterna; logo, ela não pode ser a fonte das regras civis, que precisam estar espelhadas na lei de Deus. A soberania pertence a Deus e o homem deve obediência a ele e às autoridades que lhe representam na terra, zelando pela sua lei na sociedade. A rebelião só é justa contra o tirano que se afasta da lei eterna.   

Logo concluímos que, partindo das premissas políticas do liberalismo e conservadorismo, comparadas às da Igreja, é impossível ser ao mesmo tempo católico e aderir a nova direita que se forma aqui em nossas terras brasileiras. Os católicos brasileiros, se querem contribuir para a sanidade de nossa pátria, devem formar, quanto antes, uma nova ação católica, que seja capaz de permear nossa sociedade com a doutrina de Cristo aplicada ao campo político, livre dos escolhos ideológicos da nova direita que não é outra coisa senão uma falsa solução para combater a esquerda social-progressista-coletivista.


Rafael G. Queiroz. 

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

O semipelagianismo de Pe. Paulo Ricardo






Afinal, quem é Pe. Paulo Ricardo? Um sacerdote católico que zela pela doutrina ou só mais um herético com roupagem tradicional para melhor enganar os incautos? Cirilo de Jerusalém ensina que devemos aborrecer até os suspeitos de heresia. Pois bem: a observação que faremos sobre a doutrina de Pe. Paulo é justificada na medida em que ela se afasta da fé católica. 

Contextualizemos: num vídeo de 2012, o referido sacerdote, levanta a tese de que a imensa maioria dos protestantes não se converte à Igreja Católica apenas por ignorância. E suma: eles não teriam culpabilidade alguma nisso. A tese é interessante e bem construída. Ela parte das seguintes premissas (ou melhor dizendo, falácias): 

1- O que o protestante conhece da Igreja é uma caricatura vendida a ele por falsos pregadores que a caracterizam como mariólatra, papólatra, vendida ao mundo, corrupta, herética, contra a bíblia, etc. 

2- Eles acreditam nessa imagem e, evidentemente, se afastam daquilo que lhes parece diabólico, contrário ao evangelho de Nosso Senhor. 

3- Portanto não o fazem por malícia mas por ignorância: não tendo recebido um bom ensino, caem no erro por deficiência e incapacidade de conhecerem e discernirem o verdadeiro do falso. 

Logo, segundo o padre, a maioria dos "reformados" serão salvos pelo "oitavo sacramento", qual seja o da ignorância. 

Aqui cada um pode conferir onde e o que Pe. Paulo fala sobre o assunto: https://www.youtube.com/watch?v=yPjgEqXanuA


Pe. Paulo de forma leviana estende demais a "ignorância invencível". A Igreja admite a ignorância invencível? Sim em certos casos, mas alguns erros devem ser evitados: 

- O primeiro é o que nega uma salvação pelo batismo de desejo ( Heresia defendida pelo Pe. Fenney);

- O segundo é o que considera que essa salvação, por batismo de desejo, se dá facilmente e em casos onde o sujeito, mesmo não tendo esclarecimento das coisas divinas tem, ao menos, os meios disponíveis para se esclarecer. 

O erro de Pe. Paulo é o segundo. Semipelagianismo, ou seja, otimismo demasiado na boa vontade e boa fé de pessoas que tendo acesso a informações sobre a doutrina católica não as buscam, na verdade, por malícia. 

Sobre os dois erros disse o Santo Ofício em 1949:

"Entre as coisas que a Igreja sempre pregou e nunca deixa de pregar, está contida aquela sentença infalível que nos ensina que "fora da Igreja não há salvação". Este dogma, entretanto, deve ser entendido no sentido em que a própria Igreja o entende. Nosso Senhor, de fato, não confiou à explicação das coisas contidas no depósito da fé aos julgamentos privados, mas sim ao magistério eclesiástico...Pois, para se obter a salvação, não se exige a incorporação real (reapse), como membro, à Igreja, mas é exigido, pelo menos, a adesão a esta pelo voto e o desejo (voto et desiderio). Não é necessário que este voto seja sempre explícito, como se exige dos catecúmenos. Se o homem sofre de ignorância invencível, Deus aceita um voto implícito, assim chamado porque contido naquela boa disposição da alma com a qual o homem quer a sua vontade conforme à vontade de Deus...Estas coisas são claramente ensinadas na [encíclica de Pio XII Mystici Corporis Christi] em relação ao Corpo Místico de Jesus Cristo [...] Quase no final desta encíclica [...] convidando à unidade, com o espírito cheio de amor, aqueles que não pertencem à estrutura da Igreja Católica [o Sumo Pontífice] recorda aqueles que, "por anseio ou desejo inconsciente, estão ordenados para o Corpo Místico do Redentor"; não os exclui absolutamente da salvação eterna, mas, por outro lado, afirma que eles se encontram em um estado no qual "nada pode assegurar-lhes a salvação [...] pois que são privados de muitos e grandes socorros e favores celestes que só podem ser desfrutados na Igreja católica...Com estas prudentes palavras, desaprova tanto aqueles que excluem da salvação eterna todos os que aderem à Igreja apenas com um voto implícito, como aqueles que defendem falsamente que os homens podem ser igualmente salvos em qualquer religião...E não se deve nem mesmo pensar que seja suficiente um desejo qualquer de aderir à Igreja para que o homem seja salvo. Exige-se, realmente, que o desejo mediante o qual alguém é ordenado à Igreja seja moldado pela perfeita caridade; e o voto implícito não poderá ter efeito se o homem não tiver a fé sobrenatural" (Carta do Santo Ofício ao Arcebispo de Boston, 1949. Denzinger, 3866 -3872). 

O ensinamento é claro: "se o homem sofre de ignorância invencível"...Deus poderá salvá-lo. Mas quando ele sofre? O novo catecismo, no número 1859, tem sobre isso uma passagem interessante: 

"A ignorância involuntária pode diminuir e até escusar a imputabilidade de uma falta grave, mas supõe-se que ninguém ignora os princípios da lei moral inscritos na consciência de todo homem".

Em alguns casos a ignorância involuntária sequer elimina o pecado mas apenas reduz sua gravidade! E via de regra supõe-se que todos sabem distinguir o bem do mal, o falso do verdadeiro, e se não sabem devem buscar instrução para que saibam. Caso não busquem são culpados. 

Será que protestantes estão em ignorância involuntária? Pe. Paulo fala, até, do caso de católicos que teriam se tornado protestantes por pura ignorância sobre doutrina. Ou seja, estes teriam permanecido na Igreja por anos sem buscar esclarecimento e saíram dela quando ouviram o primeiro falso profeta lhes dizer que devoção mariana é culto a demônio, logo idolatria e satanismo. Alguém que tenha sido católico e que não tenha tido, durante a época em que o foi, o zelo de buscar conhecer a fé através de uma catequese, da leitura de obras devotas, das homilias, do catecismo romano,  pode ser mesmo tido como ignorante involuntário? Se esta pessoa nunca se interessou em saber, ao certo, o que a Igreja ensina sobre a devoção mariana, preferindo dar ouvidos a um falso pregador , ela tem mesmo boa vontade? O caso é só de ignorância inculpável? 

Se Pe. Paulo realmente crê assim então ele recaiu, evidentemente, em semipelagianismo, ou seja, ele reduziu, consideravelmente, a abrangência da ferida da natureza humana decorrente do pecado para lançar quase todo mundo num estado de bem aventurança. Parece-nos que a marmota de Pe. Paulo visa, inclusive, a legitimar o ecumenismo - que ele defende - com os protestantes. Nada melhor que "pintá-los' como gente inocente e ignorante, dotada de boa fé, para legitimar o diálogo ecumênico como se bastasse lhes mostrar o verdadeiro caráter do catolicismo para que se convertesseem 

Um índio, impossibilitado de conhecer a Igreja, estaria em estado de ignorância invencível. Um hotentote da selva africana idem. Um aborígene australiano também. Nunca, porém, um protestante ( a não ser que ele sofra de problemas mentais que impossibilitem o reto uso da razão) . Por várias razões: 

1- Um protestante não pode alegar ignorância invencível para conhecer a Igreja verdadeira, pois tem muitos meios de estudar as origens históricas do protestantismo, e a vida de Lutero, assim como os seus escritos, tomando ciência de que Lutero ensinou que se deve “Crer firmemente, e pecar muitas vezes”. Lutero ensinou a tese da santidade do pecado. E isso vai diretamente contra o que o protestante lê em sua Bíblia.

2- Todo protestante lê a Bíblia. Ora em São Paulo ele lê que “a Fé vem pelo ouvido”(Romanos 10, 17). E a fé do protestante vem pelos olhos, pela leitura da Bíblia. 

3- Na Bíblia, o protestante lê que Jesus disse: “Ide e ensinai”(São Mateus, XXVIII, 19). Cristo não disse: “Ide e imprimi”, "ide e vendei bíblias". Isso não existe na Bíblia.

4- Na Bíblia, o protestante lê que não adianta ler a bíblia, pois o escravo da raínha de Candace,quando o diácono Felipe lhe pergunta: “Compreendes o que lês?,respondeu:” Como poderei compreender, se não houver alguém que mo explique”(Atos dos Apostolos, VIII, 30-31). Logo, o protestante lê, na Bíblia, que não adianta só ler a Bíblia, se não houver alguém - ou seja a Igreja - que a explique, ensinando.

Etc. 

De modo que nenhum protestante pode ser salvo. Se Pe. Paulo Ricardo crê assim, então ele não é católico. 


Rafael G. Queiroz.